Desfazendo a Ilusão da Oposição
À primeira vista, nosso julgamento egoico pode nos levar a crer que este texto tenta conciliar dois polos aparentemente irreconciliáveis: de um lado, a suposta causa de tantas atrocidades humanas; de outro, a essência mais pura do espírito. Afinal, como o dinheiro — um objeto inanimado, neutro por natureza — poderia estar intrinsecamente ligado à nossa dimensão espiritual? E mais: como poderia ele, sendo associado a tanta destruição, também conter em si a potência da transformação?
A raiz dessa controvérsia está enraizada em uma compreensão superficial de nossa verdadeira identidade, na limitação de nossa visão sobre a espiritualidade e, sobretudo, em um temor inconsciente em relação a algo que, por si só, não tem valor moral: o dinheiro.
É comum observar, especialmente entre aqueles que se consideram “espiritualizados”, uma profunda desconfiança em relação ao dinheiro — considerado, muitas vezes, como um agente impuro, contrário à vida, contaminado pelo egoísmo, e, portanto, incompatível com o caminho espiritual. Argumenta-se que mestres espirituais jamais deveriam cobrar por seus ensinamentos, os quais deveriam ser ofertados gratuitamente ou mediante doações voluntárias. E quando um guia ousa colocar valor financeiro em seu trabalho, sua autenticidade é questionada, e não raramente ele é acusado de ser uma fraude.
No entanto, no âmago dessa discussão, reside uma questão central: a motivação. O problema não está no dinheiro em si, mas nas intenções que o cercam, nas crenças que projetamos sobre ele, e no modo como o utilizamos. O dinheiro é, antes de tudo, uma expressão de troca — um símbolo, entre muitos, da experiência material. É nossa ganância, nosso medo e nossa ilusão de separação que o tornam fonte de dor e desigualdade.
Toda vez que alguém oferece um serviço — seja um ensinamento espiritual, uma obra de arte, uma música, uma sessão terapêutica, uma cura ou qualquer outro gesto de entrega — importa perguntar: qual é a motivação subjacente? Trata-se de um ato movido pelo desejo de lucro pessoal, pela acumulação, pela vaidade ou pelo controle? Ou é uma oferta genuína, nascida do transbordamento do ser, da alegria de servir e da consciência da interdependência entre todos os seres?
Se a motivação for centrada apenas no “meu ganho”, se desconectada da teia da vida, inevitavelmente nos afastamos do fluxo da verdadeira prosperidade — essa que não se mede apenas em cifras, mas em plenitude, propósito e reciprocidade. Quando nos alienamos da totalidade e priorizamos o interesse individual sobre o bem comum, o medo se instala, e a escassez se torna uma profecia autorrealizável.
Mas quando fazemos com amor aquilo que amamos, quando deixamos a vida fluir por nós com autenticidade, quando a inspiração nos habita e se expressa em forma de arte, de palavra, de presença ou de serviço, e oferecemos isso ao mundo sem apego ou ansiedade por retorno — então, a vida responde. Aqueles que recebem aquilo que damos com verdade se sentem tocados, reconhecidos, nutridos. E muitas vezes, retribuem espontaneamente. O dinheiro, nesse caso, não é pagamento, mas gratidão. Não é cobrança, mas bênção. Torna-se, então, símbolo da prosperidade partilhada — da consciência de que o que é bom para um pode ser bom para todos. O dar e o receber se revelam como dois aspectos de um mesmo gesto sagrado.
Sob essa ótica, um verdadeiro mestre espiritual é como um artista: utiliza palavras, silêncios e gestos como pincéis invisíveis, apontando para a essência do ser. Como disse Prem Baba com clareza luminosa:
“A pessoa espiritualmente madura sabe que o dinheiro é uma consequência natural de suas ações, que são determinações de seu coração. O trabalho – labor tão cheio de pesar – transforma-se em serviço – o viço do ser – estar a serviço da divindade, do mestre, que em essência é o seu próprio coração. O serviço traz, como recompensas naturais, prazer e sentimento de realização. O dinheiro é parte desta recompensa, que dignifica e alimenta, porém não é o principal objetivo. Você não é escravo do dinheiro e pode se libertar do apego, o maior grilhão que prende a alma ao ciclo das reencarnações e é o gerador do sofrimento.”

O dinheiro, assim como tudo o que se manifesta no mundo da forma, está carregado de significados simbólicos, muitos dos quais operam em nós de modo inconsciente. Experiências infantis marcadas pela escassez, traumas familiares, heranças culturais e interpretações distorcidas de ensinamentos religiosos sobre pobreza e sofrimento podem instalar em nós crenças limitantes, bloqueando o fluxo natural da prosperidade e obscurecendo a compreensão da verdadeira função do dinheiro — que é servir à vida.
A relutância em investir no próprio crescimento interior, na psicoterapia, em grupos espirituais, ou em práticas de autoconhecimento, quando comparada à facilidade com que se gastam recursos com objetos de consumo ou prazeres imediatos, revela frequentemente uma imaturidade espiritual. A crítica aos que cobram por seu trabalho espiritual pode ser, por vezes, uma fuga — uma desculpa inconsciente para não assumir o compromisso com a própria jornada de transformação. Por trás de certas atitudes de avareza, esconde-se o medo de nos confrontarmos com quem realmente somos.
Quando compreendemos que reprimir nosso desejo legítimo de prosperar pode ser também reprimir nosso potencial de contribuir com a abundância do mundo, a culpa “espiritual” relacionada ao dinheiro se dissolve. Tornamo-nos canais mais límpidos do dar e do receber, conscientes de que a prosperidade não é privilégio, mas responsabilidade. O dinheiro, nesse contexto, torna-se um servidor da consciência — e não seu senhor.
Em sua essência, o dinheiro é tão espiritual quanto qualquer outra expressão da vida. A chave está na clareza de intenção. A faca pode ferir ou alimentar. O fogo pode destruir ou aquecer. O dinheiro pode aprisionar ou libertar. Tudo depende da mente e do coração de quem o utiliza.
Ao invés de julgarmos com desconfiança aqueles que recebem por seu serviço espiritual, talvez possamos celebrar sua coragem de sustentar esse caminho. Que o dinheiro flua em abundância para esses servidores da consciência, para que suas palavras, ações e presenças toquem ainda mais corações e alcancem ainda mais almas sedentas de verdade.
Desejamos que o dinheiro esteja nas mãos de pessoas conscientes. Pois estas, com sabedoria e compaixão, saberão multiplicar a luz no mundo.
Vivemos um tempo em que cada vez mais pessoas escolhem investir no autoconhecimento, na escuta da alma, na cura de suas feridas. Isso é um bom sinal. Demonstra que a humanidade, ainda que lentamente, começa a compreender que o bem mais valioso não é aquilo que se possui, mas aquilo que se é. E embora o dinheiro não compre a verdade — pois ela não está à venda —, ele pode, sim, sustentar os caminhos pelos quais a verdade se comunica.
Reflita: o mestre espiritual que você tanto admira teria chegado até você sem o apoio financeiro de pessoas que, antes de você, reconheceram o valor de seu serviço? Nesse sentido, o dinheiro, quando alinhado com a consciência, é também uma forma de amar.
Mesmo em tradições onde o voluntariado é forte, é inegável que estruturas físicas, materiais e logísticas exigem recursos. Esses recursos vêm de pessoas generosas, que compreendem que o serviço espiritual, para florescer no mundo, precisa também de solo, água, teto, instrumentos.
Portanto, sejamos mais tolerantes, mais lúcidos e mais generosos com aqueles que se dedicam a nos recordar de quem realmente somos. O dinheiro pode ser uma ponte entre mundos — um elo entre o invisível e o visível, entre o dom interior e a partilha exterior.

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