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Reflexões sobre os Efeitos Neurocognitivos do Uso Recorrente da Ayahuasca
    A grande revelacao, irineu

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    por Willian Tello

    É fundamental promover uma reflexão cuidadosa sobre os efeitos neurocognitivos do uso recorrente da ayahuasca, que contém, em seus princípios ativos, a dimetiltriptamina (DMT). Embora estudos acadêmicos conduzidos com rigor científico sustentem que não há evidências substanciais de efeitos adversos significativos associados ao uso pontual ou mesmo regular da ayahuasca, há muitos relatos que levantam questões que merecem consideração.

    Revelador é o registro histórico de um pesquisador autodidata que, na década de 1960, fez uso intensivo de DMT ao longo de um ano. O impacto dessa experiência foi a internalização de uma cosmovisão vibracional da realidade, que o inspirou a desenvolver uma abordagem inovadora à matemática: a matemática visual. Trata-se da representação gráfica de equações, como nos célebres conjuntos de Mandelbrot, onde cada ponto visual expressa, com precisão estética, uma equação em mutação constante. Esse caso exemplifica como o DMT pode catalisar formas singulares de pensamento e expressão criativa.

    Nos anos 1980, após frustrações iniciais com experimentos envolvendo melatonina e a glândula pineal, pesquisadores norte-americanos obtiveram financiamento para estudos clínicos sobre o DMT. Essa nova abordagem, pragmática e meticulosa, permitiu a realização de pesquisas definitivas a respeito dos efeitos subjetivos e neuroquímicos da substância em humanos.

    Com base nas distinções aristotélicas entre as faculdades intelectuais e imaginativas da mente, os estudos sugerem que o DMT atua sobretudo sobre o imaginário, ampliando a retenção de imagens, sensações e emoções vívidas, enquanto as funções interpretativas, responsáveis por atribuir significado e contexto à experiência, permanecem sob domínio da cognição racional.

    Pesquisas mais recentes, apoiadas por nomes relevantes como o neurocientista David Nichols, indicam que o DMT possui propriedades neurotróficas. Ele seria capaz de induzir neurogênese — a criação de novos neurônios a partir de células-tronco — e de promover a neuroplasticidade, ou seja, o fortalecimento e a complexificação das conexões sinápticas. Esses efeitos poderiam explicar a correlação observada entre o uso criterioso da ayahuasca e o florescimento de faculdades cognitivas incomuns, como memória ampliada, criatividade intensificada e maior capacidade de síntese simbólica.

    Assim, embora a ayahuasca se revele, em inúmeros contextos, uma aliada preciosa nos processos de autoconhecimento, expansão da consciência e cura interior, sua utilização recorrente exige mais do que mera curiosidade ou entrega espontânea.

    Em contraste com a visão acadêmica predominante, é comum ouvir relatos de indivíduos que fizeram uso excessivo ou prolongado da ayahuasca, e que, como consequência, desenvolveram estados mentais peculiares. Frequentemente, esses estados se caracterizam por traços messiânicos — convicções absolutas, percepções infladas sobre si mesmos e intolerância diante de perspectivas divergentes.

    Relatos dessa natureza levantam hipóteses inquietantes sobre possíveis alterações permanentes nas estruturas cognitivas e identitárias dos usuários. Casos assim observados no uso prolongado de outras substâncias psicoativas, como o LSD e a cannabis, cujos efeitos cumulativos, em determinados contextos, parecem reconfigurar traços de personalidade ou formas de processamento psíquico, observando uma espécie de dissociação prolongada: pessoas que parecem não ter retornado completamente à sua percepção anterior de realidade, permanecendo como que presas em uma dimensão escorregadia e ambígua da consciência,  pessoas que, enfim, jamais voltaram a ser as mesmas.

    Há indícios de que os psicodélicos, em geral, intensificam disposições preexistentes. Assim, uma pessoa naturalmente inclinada à euforia pode ver essa tendência acentuada após a exposição psicodélica, reforçada por mecanismos de repetição e fixação simbólica.

    Esse aspecto nos conduz inevitavelmente à reflexão sobre a importância do contexto em que se dá o uso da ayahuasca. O ambiente ritual, cuidadosamente conduzido por pessoas experientes, com profundo conhecimento da medicina da floresta, e amparado por um grupo de apoio sólido e ético, é essencial para orientar a experiência e minimizar os riscos de desorientação psíquica. Além disso, torna-se evidente o papel crucial de processos terapêuticos e estudos espirituais que possam sustentar, integrar e canalizar as transformações despertadas pelo transe para um caminho de amadurecimento e lucidez.

    Há muitos relatos de pessoas que, após sucessivas experiências com a ayahuasca, apresentaram sinais de inflacionamento do ego. Em tais casos, emergem atitudes de grandiosidade, convicções inflexíveis sobre suas próprias visões e, por vezes, condutas impulsivas ou autoritárias, que podem culminar em consequências graves, tanto para si quanto para os que as cercam. O que se observa, nesses episódios, não é um ‘efeito colateral’ da substância, mas o desencadeamento de conteúdos que já estavam presentes na psique do sujeito, ainda que reprimidos ou adormecidos. O enteógeno, portanto, funciona como um espelho ampliado da alma, um revelador de estruturas internas que, uma vez emergidas, necessitam de cuidado, orientação e elaboração para não se tornarem armadilhas espirituais.

    Diante disso, torna-se ainda mais evidente que o uso consciente da ayahuasca requer não apenas coragem para atravessar os véus da alma, mas também humildade para reconhecer as próprias sombras, e disciplina para transformar a visão em sabedoria. O ritual, nesse sentido, não é apenas um cenário estético: é o contorno simbólico que sustenta a travessia e permite que o fogo da revelação ilumine, sem queimar.

    O uso da ayahuasca requer responsabilidade profunda, discernimento lúcido e, sobretudo, a inserção em um ambiente ritual cuidadosamente estruturado — um espaço sagrado que compreenda e honre o mistério que se desvela no contato com os estratos mais profundos do inconsciente.

    É nesse espaço ritual seguro e acolhedor que os conteúdos emergentes podem ser amparados, compreendidos e integrados. A experiência psicospiritual não deve ser trivializada; exige preparo emocional, apoio coletivo e a presença de pessoas experientes que saibam oferecer direcionamento, contenção e sabedoria diante da vastidão psíquica que a ayahuasca pode revelar.

    Quando conduzido com essa reverência, o uso da ayahuasca pode, de fato, favorecer o florescimento de aspectos elevados da consciência: compaixão, lucidez, humildade, criatividade e sentido de pertencimento ao sagrado. É assim que a verdadeira transformação acontece — não apenas como catarse passageira, mas como reintegração profunda entre o eu fragmentado e a totalidade da alma.

    Ayahuasca, transe e auto cura.

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    Intrigado com o potencial transformador da Ayahuasca? Este artigo mergulha nas profundezas dessa experiência ancestral, revelando como o transe induzido pode ser uma porta para a cura interior. Explore conosco essa fascinante conexão e descubra como a “medicina da alma” pode desbloquear caminhos de autoconhecimento e cura.

    Ayahuasca: Entre a Tradição e a Modernidade, o Desafio da Preservação

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    É que a só bebida não basta. Se bastasse seria suficiente ingerir DMT (princípio ativo encontrado na ayahuasca) em comprimido. Para além da bebida há o encanto, o mistério, a crença, a cultura: a realidade física mediada pelo engenho e alma humana capaz de criar significados, produzindo algo diverso da pura matéria.

    História da regulamentação da ayahuasca no Brasil.

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    Durante um longo período de tempo a ayahuasca foi alvo de polêmicas e difamações. Por se tratar de uma substancia psicoativa, seu uso foi alvo de preconceitos e visto com receio pela mídia e pela população de um modo geral.

    4 Comentários

    1. Téo

      Que profundidade! Extremamente instrutivo.

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    2. Rodrigo Chinaglia

      Conciso, objetivo e real. Me identifiquei muito com o artigo pois consagro a bebida com frequência e me identifiquei muito com o que foi colocado e da maneira como foi escrito.

      Responder
    3. Danyel

      Sensacionais reflexões! Continue a espalhar essa luz para a humanidade 😉

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